quinta-feira, 11 de março de 2010

O Tempo da Cor Branca

‘She's not a girl who misses much
Do do do do do do, oh yeah
She's well acquainted with the touch of the velvet hand
Like a lizard on a window pane.
The Beatles



Era uma quinta-feira e chovia como se os céus brigassem com algo, como se a terra afundasse enquanto nós dois subíamos como um elevador de precipitações e sentimentos metaforizados. Chovia ardentemente dentro de mim, naqueles teus olhos de vendaval, nas mãos caladas e confusas, nos ombros de escudo para o teu próprio peito. Meu amor. Meu amor de umas horas despencadas pelos céus, por línguas antigas, ruas cruzadas por emancipações e pela precoce inocência mutilada. Meu carinho de dias em velas sobre a toalha branca de palavras abertas. Meu afeto de mãos dadas e sorrisos de Avenida movimentada. Estar às três da tarde viva, estar às três da tarde acordada, estar às três da tarde num sentido de vaidade conjunta por sermos a coisa mais bonita daquela cidade. Fecharam as portas dos bares, lotaram as camas dormidas, esvaziaram os estacionamentos chuvosos de Dezembro, recortaram nossas fotografias para colar boca na boca, peito no peito.
Mas saudade, meu amigo, saudade é uma verdade desgraçada que cai com a chuva de uma sexta abafada, nublada, cinza. O fim da saudade, os últimos dois segundos, é a glória de transformar melancolia em feísmo; fazer arte com quebra-cabeça.
E sexta, dia de verdade a tapa, é invadir armário de lembranças com vontade em punho para arrombar cartas queimadas pelo fogo das minhas pernas de correr sem negar que isso é, também, tentativa.
O tempo não existe. Ontem você veio, hoje você foi.


_