segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Permitir Errar




Éramos duas canecas de chá sobre a mesa. Uma ao lado da outra e à esquerda do que seria nosso motivo para enlouquecer juntos. Naquele nosso plano de nos enfiar nas melhores coisas do mundo. Era tudo o que precisávamos.


- Teu erro é querer mais que dois abraços.
- Meu erro sempre foi me permitir errar.


Usei rendas, alças, lábios, pintas.

Você não me tira o Blues que eu tenho entre os seios. Não tem força nenhuma capaz de arrancar meu passado. Não pode remover minhas expectativas.


Na terceira palavra forte ele se jogou do 1ª degrau da escada. Inventou uma morte pequena, um buraco raso para se jogar. Fingiu distância, ensaiou alguma tristeza. Covardemente planejou sozinho.
E deu tudo errado.


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Gabriele Fidalgo

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Inconclusiva[mente]




Você pediu. Ficou sentado nessa cadeira, por horas, a me desafiar com esses olhos de ressaca. Mal sabia que desafio é meu primeiro nome, o da frente do primeiro que nem é o meu, é um apelido. Um apelido para facilitar na hora de responder: qual teu nome mesmo? Eu sei que você imaginava, mas não sabia ao certo. Nada se sabe ao certo, que frase imbecil que saiu da tua boca. Você deveria ficar calado durante a minha fala compulsiva e me deixar inventar quantas mentiras fossem necessárias para meu personagem. É que você, ultimamente, só fala merda e nem percebe que eu não existo. Aliás, existo, mas não desse jeito, entende? Deixa eu te dizer uma coisa: eu gosto de machucar e gosto de sempre usar um eu nas frases pra mostrar o tamanho da minha individualidade. Meu umbigo é lindo, camarada. Isso te soa ridículo? Não me importo, de verdade. Outra coisa, há tempos venho desviando aquelas cobranças que pairam no meio do peito. Esquerda, direita, frente, trás, completamente desordenado e com tremenda urgência. O dia de explodir tudo se aproxima, sugiro que você refaça o caminho de casa e saia dessa porra dessa cadeira. Sim, eu vou continuar dando voltas no quarto com essa garrafa que eu não tomo um gole porque eu quero. Problema meu se alguém subir e me ver nesses trajes, pelo menos minha calcinha é bonita e foi cara. Comprei com seu dinheiro. Cala a boca, me deixa falar. Eu não sei o que eu quero falar, você não tem noção do tamanho do buraco aberto aqui dentro, o sangue não estanca. Que porra de culpa, quem mais se acusa aqui é você. É difícil entender que eu tenho um buraco gigante que san-gra? Dói escutar que eu sou demasiadamente humana e fria o suficiente para te descrever o ardor do meu corte? Sim, eu posso te dizer onde lateja, a profundidade e quantos pontos preciso levar enquanto observo meu dedo borbulhar de sangue, sorrindo. Tá, eu sei que estou me perdendo e você já está criando asco de mim. Ótimo, algum sentimento real além daquelas frases feitas sobre meu sorriso e sobre minha doçura. Preciso te dizer o quanto me agonia frases feitas, olhares meigos e paixão alheia. Não conseguir sentir e ter que compreender sabe-se lá porque é um veneno. Me deixa ser dramática e egoísta. Me deixa.Você não vai sair dessa cadeira, vai permanecer imerso, para sempre, nessa almofada dura? Eu preciso dizer mais o que para que você faça algo diferente de me olhar? Preciso te dizer que tudo está uma merda? Pronto, tudo está uma merda e eu não suporto mais. Não suporto mais viver aqui. Isso tudo é mentira. Isso tudo é desespero. Isso tudo é falta.Não toca em mim, sai. Para de achar que é algo da tua ossada, cai na real. Já te falei do meu umbigo? Sim, vou beber até o fim, até a última gota cair no tapete, sabecomoé? Chega, para de me olhar, para de tentar entender. Você nunca lê até o final mesmo.Não quer sair da cadeira não? Então vai com ela.Até.
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Clara Arôxa

sábado, 14 de novembro de 2009

Definições




Tantos adjetivos, justificativas, verbos, versos para dizer que o que eu sentia era forte. Para explicar para o mundo que não era um erro, que era incontrolável demais para deixar largado e esquecido por aí. Para contar cada canto de pub, avenida, banco de trás de um carro velho.
Tanta vontade de encontrar sentido que só abria os braços pra você, na sua imagem de oceano profundo demais para sentir por completo. Você continuava acontecendo e continuava, como sempre, acontecendo inevitavelmente em rios para longe de mim. Eu era aquela tempestade que te encharcava quando chegava perto. Escorrendo na boca, no colo, nesse lugar de textos escancarados, onde me viu crescer.
E após tanto tempo, o que eu vejo são momentos nunca explicados simplesmente pela impossibilidade. Pelo tempo que corria como Henry Lee, transbordava como num copo, borbulhava como a minha boca em teu dedo. Você nunca esteve aqui, mas eu te chamava e chamava de amor contrariando tudo. Tudo o que eu sabia era pouco, nunca o bastante para esfregar os olhos e ver que não haveria um dia para te esquecer nesses sonhos que demoram, que não sinto falta, que não peço; mas que quando chegam, quando despertam em mim pela manhã, são gigantes de todas as formas.
Não lhe sinto falta perto ou longe. Mas, por algum motivo, a madrugada insiste nos teus cabelos bagunçados em mim. Em mim. Como tempestade no mar. Neste oceano extenso que não acaba.



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Gabriele Fidalgo

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Porque depois que a gente vive um grande amor,
não aceita mais migalhas.



Hoje não vou falar das flores. Muito menos do meu amor por você.Eu quero ficar aqui, pensando, onde foi que desandou, qual palavra deixei de te dizer ou se o abraço foi fraco demais. Eu poderia te dar flores e dizer: “Vem, Recife muda de cheiro quando você aterriza”, no entanto, dói demais quando mal olhas para as flores que passei dias cultivando em meu próprio jardim. São as minhas preferidas, você sabia? Elas têm até um nome especial, é de uma maciez única.
A poesia está perdendo o sentido, descolorindo. É a tua presença tão distante e aguada que vai despetalando as minhas flores criadas com tanto carinho, é essa falta de abraço que me aperta o peito tanto, mas tanto que mal consigo acreditar que a pessoa que se encontra na minha frente é você, aquele você. A pior notícia: cansei de chorar, de me preocupar, de me revirar em trinta avessos, recolorir o desenho pra descobrir por onde anda a falha, onde está o ponto que não coloquei na frase. Chega uma hora que cansa né? A gente vai se guardando, floreando a alma para próximo abraço e nada, simplesmente nada.
O mais ridículo é você ainda acreditar que alguns sorrisos teus ainda fazem efeito. Quer dizer, o mais ridículo é eu ter certeza que teu sorriso faz efeito. Ou fazia, ou faz. Não importa agora. Só vim aqui te dizer que estou dilacerada, disfarçando minhas lágrimas em suor, enquanto você finge que nada acontece e me beija na nuca, como nos velhos tempos.
Estou partindo. Na mala, vai teu abraço que descansa a minh´alma, como nos velhos tempos.
Meu endereço está debaixo das tuas lembranças.

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Clara Arôxa