Você não me conhece
Eu tenho que gritar isso
Porque você tá surdo
E não me ouve
A sedução me escraviza você
Ao fim de tudo você permanece comigo
Mas preso ao que eu criei
E não a mim
E quanto mais falo sobre a verdade inteira
Um abismo maior nos separa
Você não tem um nome
Eu tenho
Você é um rosto na multidão
Eu sou o centro das atenções
Mas a mentira da aparência do que eu sou
E a mentira da aparência do que você é
Por que eu não sou o meu nome
E você não é ninguém
O jogo perigoso que eu pratico aqui
Ele busca chegar ao limite possível de aproximação
Através da aceitação da distância
E do reconhecimento dela
Entre eu e você existe a notícia
Que nos separa
E eu quero que você me veja nu
Eu me dispo da notícia
E a minha nudez parada te denuncia e te espelha
Eu me delato
Tu me relatas
Eu nos acuso
E confesso por nós
Assim me livro das palavras com as quais
Você me veste.
Fauzi Arap
Abri a gaveta, um dia desses. Aquela dos papéis sagrados. Uma carta aqui, um texto ali e um saquinho com todas as nossas lembranças que puderam ser escritas. Desenhos, palavras arrancadas do peito, aquela nota fiscal e um cartão que, na verdade, nunca foi escrito por você. Eram lembranças tão sagradas que perderam o gosto. Tão bem guardadas que desapareceram no meio de tantos outros papéis-amor. Um aglomerado de poemas que nem faziam sentido, nem tinham gosto e nem provocavam qualquer tipo de sensação. Porque, hoje, você é assim: não me provoca sensações. Nenhuma. Resquícios da tua mão na minha pele é uma ilusão que ainda tento guardar só para que, ao final de todos os imprevistos e desfechos, eu possa dizer que as minhas invenções eram doces o suficiente para não azedar.
Mas até as ilusões passaram como todas as ideias sem destino, rápidas feito vulcão. Nada sobrou, nem alimento para essas linhas.
Eu continuo viva, pulsando. Já você sem rosto, sem gosto e sem texto, limitado aos espaços das folhas amareladas.
Fevereiro. Lembranças. 2010.