terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Confesso

Você não me conhece

Eu tenho que gritar isso

Porque você tá surdo

E não me ouve

A sedução me escraviza você

Ao fim de tudo você permanece comigo

Mas preso ao que eu criei

E não a mim

E quanto mais falo sobre a verdade inteira

Um abismo maior nos separa

Você não tem um nome

Eu tenho

Você é um rosto na multidão

Eu sou o centro das atenções

Mas a mentira da aparência do que eu sou

E a mentira da aparência do que você é

Por que eu não sou o meu nome

E você não é ninguém

O jogo perigoso que eu pratico aqui

Ele busca chegar ao limite possível de aproximação

Através da aceitação da distância

E do reconhecimento dela

Entre eu e você existe a notícia

Que nos separa

E eu quero que você me veja nu

Eu me dispo da notícia

E a minha nudez parada te denuncia e te espelha

Eu me delato

Tu me relatas

Eu nos acuso

E confesso por nós

Assim me livro das palavras com as quais

Você me veste.

Fauzi Arap


Abri a gaveta, um dia desses. Aquela dos papéis sagrados. Uma carta aqui, um texto ali e um saquinho com todas as nossas lembranças que puderam ser escritas. Desenhos, palavras arrancadas do peito, aquela nota fiscal e um cartão que, na verdade, nunca foi escrito por você. Eram lembranças tão sagradas que perderam o gosto. Tão bem guardadas que desapareceram no meio de tantos outros papéis-amor. Um aglomerado de poemas que nem faziam sentido, nem tinham gosto e nem provocavam qualquer tipo de sensação. Porque, hoje, você é assim: não me provoca sensações. Nenhuma. Resquícios da tua mão na minha pele é uma ilusão que ainda tento guardar só para que, ao final de todos os imprevistos e desfechos, eu possa dizer que as minhas invenções eram doces o suficiente para não azedar.

Mas até as ilusões passaram como todas as ideias sem destino, rápidas feito vulcão. Nada sobrou, nem alimento para essas linhas.

Eu continuo viva, pulsando. Já você sem rosto, sem gosto e sem texto, limitado aos espaços das folhas amareladas.


Fevereiro. Lembranças. 2010.

2 comentários:

  1. Intenso!!!!

    Eu gosto daqui...


    besos, querida!

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  2. Interessante a id+eia e a forma como ela é colocada. Um poema e uma prosa, ou duas prosas poéticas.

    Penso semelhante aqui: http://postovirgula.blogspot.com/2008/07/eras-demais.html

    Faço diferente aqui: http://postovirgula.blogspot.com/2008/08/agora-somos-augusto-simes.html

    Volto aqui, assim que possível.

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