sábado, 26 de dezembro de 2009

Tempero de cor vermelha




Tem aquela música ‘San Francisco Nights’. Eu a ouço com um vestido estampado de flores vermelhas, os cachos para trás e a velocidade da estrada de terra num sábado. Estamos indo para qualquer lugar, apenas pela satisfação de estarmos indo. Incluir um verbo no plural é o tipo de coisa que me faz feliz, feliz como a música de guitarra cantada no refrão. Aquela coisa toda que me dá vontade de beber sua caipirinha, seu whisky, sua água tônica, seu café, você, às 9 da manhã.
Hora boa para desabotoar o primeiro botão do vestido de flores ousadas. Parece que eu estou o tempo todo te provocando, mas, querido, é você que me coloca em cima da mesa para te olhar mais perto. Você assim, bem perto de mim, o silêncio amadeirado da casa antiga. Aliás, é tudo antigo aqui - bem lembrado. Você tem um jeito de dobrar as pernas enquanto lê, num modo retro de porta-retrato, e eu só quero fazer um almoço pra você. Só me falta um avental xadrez em vermelho que marca a cintura e protege minhas pernas do cheiro do tempero. Se bem que eu sei que você gosta. Pimenta no meu vestido é como chuva pra noite pós vinho chileno. Depois disso, o café da manhã é seu. Me entrego com uvas verdes e torradas na cama. Vejo que não se importa. Seu rosto fica com uma cor mais bonita que a do meu vestido no varal. Nos molhamos na chuva e, além da tua pele na minha, só lembro do meu vestido sendo jogado no chão com força de água caindo. Você sabe que tem essa violência sutil que me agrada. Delicado como um raio certeiro, se atira para dentro de mim sem poupar nada de você.
Uvas, torradas e cama. Saímos antes da chuva, quase duas da tarde. O vestido de flores no porta malas, uma flor no meu cabelo, cheiro de pimenta, estrada de terra, 80 por hora.

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Gabriele Fidalgo

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

I´m gonna leave you

Babe, baby, baby, I'm gonna leave you.
I said baby, you know I'm gonna leave you.
I'll leave you when the summertime,
Leave you when the summer comes a-rollin',
Leave you when the summer comes along.



Senta, mas não me conta nada. Hoje eu não quero ouvir absolutamente nada que remeta ao teu passado ou ao teu futuro. Engula as suas frustrações e as deixe bem guardadas em seu estômago, não vivo de tristeza alheia e nem meu assunto preferido é as tuas mancadas. Se você não está pronto, assuma e dê meia-volta para me poupar desse discursinho barato de quem nunca sabe aonde quer chegar. Dizer que não sabe é aliviar a culpa de passos em falso, tentativas vãs e muita hipocrisia. Não estou nem aí se você está bem ou mal, o que importa é se o copo está cheio enquanto a minha sede é muita. Se você se afunda, não me leve junto e nem imagine que meu braço suporta teu peso. Aqui, ainda existe algo que pulsa e que não admite mais que você aperte o botão para desacelerar o que vive acelerado por natureza, não há mais espaço para as tuas manias de me ver como uma folha que suporta todas as letras, independente do contexto. Chega de problemas e esperanças tardias. Eu não pretendo ser sua melhor amiga e nem psicóloga. Me poupe dos segredos e dos comentários indiscretos, estou tapando os meus ouvidos. A paciência e as vontades acabaram,os últimos pedidos foram feitos por aquela mesa, lá no final do corredor. Está decretado o fim.

Apenas sente e fique calado.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Summer 68


'Tomorrow brings another town
Another girl like you
Have you time before you leave to greet another man
Just you let me know'

Summer 68 - Pink Floyd




Lembrei de tudo dia desses.
Suas pernas longas e seus dedos compridos envolvendo sorrisos de uma menina. A maneira como o seu cabelo caía sobre a testa, tuas arquiteturas de quem quer ganhar o mundo e o medo de perder o que ainda não tinha.
Mais uma vez, minha jacketa roxa encostava na sua de couro. Minhas mãos umedecidas de ansiedade, calorozas de toque e arrepio, alcançavam o zíper que abriria o teu peito. A física dos dois corpos num espaço pequeno e tumultuado de pessoas. Estação Clínicas, às 6 horas da tarde de Julho. O metrô corria e eram teus braços que me seguravam para que eu não caísse. E aquele olhar. Aquele rápido instante entre eu e você e todo o mundo em exposições contemporâneas da cidade. Luzes de estações dispersas e a minha cintura com ciúme de você. Da sua risada quente e tranquila de quem queria arranjar um jeito de me acolher.
Estava tudo em movimento, no movimento do metrô que me apertava contra você.


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Gabriele Fidalgo

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Clarear

O prato do dia não é uma dúzia de reclamações, muito menos desaforo. Não há queixas e nem arrependimento. Nada para esquecer, reescrever, ajeitar. Teu mau humor nem tange a minha pele, teu medo me mantém firme nas minhas falas sobre coragem e respeito, me assumo, cada vez mais, passível a falhas e apaixonada pelo instante. Nada de acusações, por hoje, basta. Sem amores impossíveis e mal destinados, deixe-os com suas dores para lá. Sem ardor. Apenas traga leveza e uma tarde doce, no bolso. Não vou fumar, nem me embriagar de qualquer lacuna da vida, pelo menos por hoje. Mande fazer poesia para o jantar e ponha uma mesa de tranquilidade. Sim, tranquilidade e não inércia. Sem agonia, verso preso, peito inchado. Sem medo. Me dê um prato, vou engolir o mundo. Meus braços estão abertos para o que vem por ai, abri a porta do infinito e

Hoje, meu primeiro nome é sorriso.

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Clara Arôxa