sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Entrega

Para falar de você preciso me sentar, desconcentrar de qualquer distância, respirar a goladas, ouvir a música certa. Coloco aquela em que o irlândes sussurra junto; 'It's delicate'. E eu largo tristezas pequenas, preocupações cansadas e deito a minha cabeça sobre o colo das nossas coisas. De refrões a estações lotadas na hora de se despedir. De lábios rasgados de desejo, olhos de melancolia gostosa, jacketa jeans tentando cobrir a minha minia saia. Tudo nosso, só nosso. E uma vontade de pedir pra você deitar no meu sofá para escutar o irlandês sussurrando essas coisas que me fazem ajeitar os passos para falar de você. Não que as tuas cores diferentes façam de você platônico, não que entre os teus cabelos exista perfeição. Mas eu confesso que respiro com mais profundidade, presto atenção nos meus movimentos, pinto os olhos para combinar com você, deixo o irlandês cantar baixinho, surrurrando você no meu ouvido. Quase me comporto, cruzo as pernas, jogo o cabelo para trás; e falo. Falo de você pra coisa tranquila de mim, pro cheiro dos meus livros velhos, pro sossego do LP, para as asas nas minhas costas.
Mas quando eu termino. Quando acabo a última página do livro de sentir você mais um pouquinho, agarro a renda da blusa e choro. Porque, na verdade, o que eu tenho vontade é de entorpecer tudo isso, de explodir o jeito que a gente se olha no canto dos olhos, de tacar fogo na coisa calminha que a gente finge que aceita, de esfregar minhas coxas no que chamamos de silêncio. Um grito, uma música de irlandês no último volume, corações rebeldes de briga de amor, algum movimento rápido que leve tudo a baixo pra gente poder começar do final. Depois da concentração perdida e da respiração soluçada. Para eu não ter que falar baixinho, pra você não ter que se esconder.



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terça-feira, 27 de outubro de 2009

Do que pulsa

Recife, 24 de outubro de 2009

Te vi, mas você não me viu. Andas tão dentro dos teus sonhos que, às vezes, é impossível enxergar alguém. A não ser lá naquela livraria, onde todos os sonhos estão escritos em versos, textos, ensaios e a tua paz é possível. Mas eu não estava lá e você muito menos. Estava a alguns passos do teu corpo que andava para um lugar qualquer. Sim, eu poderia ter te chamado, nós poderíamos ter trocados “Oi, tudo bem? Como vai?”, você diria o filme que iria assistir e eu te diria que estava só de passagem, rumo àqueles dias de cabeleireiro 24 horas. No entanto, o cabeleireiro estava cheio demais e eu queria, na verdade, estar ao teu lado, indo ao cinema. Não dá certo, todo mundo sabe. Você é certinho demais, morno demais e eu.. ah, você sabe, mas ainda te digo que queria. Além do mais existem, por aí, outras pessoas certinhas demais e mornas demais que cabem perfeitamente na tua métrica. Queria entender o motivo de você estar sempre só. Uma vez, enquanto tomávamos café, você me disse que talvez a paz estivesse em ser superficial, aceitar as coisas facilmente e eu ri, porque estava escrito nos teus cachos e nos teus olhos desafiadores as tua agonia em ter tanto, em ser tanto. Por onde transborda isso tudo? Cadê? Porque você não permite que ninguém te faça de abrigo? E esses versos que saltam de você a cada passo distraído, para onde vão?

Fala abertamente o que completa esta falta, qual cor ainda é preciso descobrir. Basta um motivo, estou aqui, sentada, ouvindo, os outros eu deduzo, invento, minto, sei lá.

Você vai embora e não vai me dizer? Me prometi que não ia te atropelar com as minhas perguntas de velocidade alta.

Vou ficar aqui, pensando nos teus versos rimados. Acho que a respostas podem estar nas entrelinhas.

Até o próximo beijo.

Céu azul, você azul.


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Clara Arôxa

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Na estação

Abria os olhos às 9 e meia da manhã e dava bom dia para o buraco no meio do meu oceano, bem lá no fundo, do fundo, do fundo. Onde nem eu poderia dizer ou transformar em palavras para dignificar que era amor e não vontade de sentir tudo de novo para acabar direito. Os pés no chão gelado, meia de dormir, de levantar com o cabelo bagunçado igual ao da Julia Roberts em 'Uma linda mulher'.
Eu colocava a mão sobre o peito e tinha o coração inteiro entre os meus dedos. Uma caneca de café, pouco açúcar. Descia como histórias de romance, daquelas que a gente vê na tv e quer acreditar que não acredita. Desviava os olhos para o relógio como se assim conseguisse afastar a vontade louca e gigante de me enfiar num carro e atravessar o estado ouvindo Jenny Lewis.


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terça-feira, 20 de outubro de 2009

Algumas coisas precisam ser ditas, novamente:

Acho que é a tua instabilidade que combina com a minha vontade de ser estável. Não, não é vontade, eu sei. Se fosse, alguma madrugada já teria me transformado. Esse negócio de imprevisibilidade me tira sorriso dos lábios e você, ah! Você mexe com os meus sentidos em caminhos contrários, faz malabarismos, inventa moda. Você me desespera e me aquece, em hora inexata, em madrugadas desconexas. Talvez um amor tranquilo com uma paixão insana, que deixa na pele um gosto doce de vida. Talvez esse talvez que sempre deixa uma suspeita no ar, na poesia, no que pode vir a ser. Talvez essa falta de sentido que nos percorre as veias, as bocas e nos deixa refém das nossas poesias, de qualquer arte que não seja rotina. Tudo, nada e um meio nesse meio se transformando em verso sem rima, um pouco azul. Já sei: é o teu cheiro de vida, esse teu coração que pulsa descontroladamente, invade feito incenso as minhas certezas, me faz levantar da cadeira e ir ao encontro dessa rua que me espera, desse segundo que já está se aproximando, essa vontade de fazer algo tão bom quanto à roda de samba que você me jogou só porque eu disse que dava uns passinhos por aí. Com você, eu sei ser livre. Livre para ser o que eu bem entender, o que der na telha. Livre para seguir todas as nossas vontades, arrepiando o corpo de felicidade. Esse teu futuro cheio de um dia aí, cheio de espaços em branco para os teus surtos de saudade, de carência e solidão me encorajam para a parte do não sei, onde se cambaleia, cambaleia, mas não cai. Eu não caio, ao teu lado, menino. A nossa corda bamba é mola propulsora de arte, poeta.

Mesmo que o teu blues me tire do chão, é a explosão da tua guitarra que me faz pegar as malas e dizer: vamos? São nas letras exageradas, no ponto fraco, no uísque fazendo efeito as minhas maiores investidas, meus maiores acertos. Na tua desproporcionalidade, nas tuas perspectivas que duram meia hora de melodia. Sabe, menino, é coisa que não tem nome ainda, mas que nem precisa de primavera para aflorar, pois, já fincasse raízes tuas aqui, por aqui, por ali, por todo canto que a minha alma voe.

Todo mundo tem um ponto fraco. Você é o meu, porque não?


15 de junho de 2009.
Sol, por dentro. Azul, por fora.


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Clara Arôxa

sábado, 17 de outubro de 2009

Repartida


Um milhão de rosas dentro da caneca sobre a mesa. Pouco espaço para tanta vontade de voar, com meus braços machucados.
Ou eu faço isso ou morro. Ou me abraço, ou me largo.
As paredes me enforcam e quando o céu é azul gelado, nem mais uma dose de whisky pode me tornar uma cobaia bem fundamentada. E então, meu futuro é uma asa voando enquanto o meu corpo pesa na cama.
Se eu fosse uma estrela de cinema, me diz se aquele cara faria sentido. Se eu tivesse a leveza de duzentas horas de continuidade, você sabe, eu não teria saudade do que não preciso. O que eu preciso está aqui. Mas frases de auto-ajuda não me baseiam, não me descobrem, não me botam no lugar onde vivia. Numa mentira altíssima, numa loucura apenas impossível de ser abraçada. Não só um cavalo selvagem, mas também uma ameaça fatal. Se me pegasse, eu mataria tua inocência também. Que de virgindade, não restaria nem o pouco da pureza. Que se havia de me guardar, não foi possível nem com tapa na cara, nem com gelo entre as pernas. E cada minuto, cada palavra servia, de fato, pra me colocar de quatro e caída no banheiro. Mas ser essa vítima, ser um pedaço de colo partido, não me faz ficar, não me torna mulher.

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Gabriele Fidalgo